terça-feira, 16 de outubro de 2012

021 - O que trazemos conosco

O que trazemos conosco

Eu estava hoje à tarde de pé, numa barca, pendurado na janela que nem uma criança que nunca viu mar, cruzando a Baía de Guanabara, sentindo um sol de primavera delicioso mergulhado num azul límpido, sentindo a brisa fria com resquício de inverno me arrepiar e trazendo um inconfundível cheiro de mar que traía pelo seu perfume, mas cuja cor verde-oliva não negava seu mau-trato.

Os barcos passavam aqui e ali, cruzando com o nosso e deixando uma esteira de espuma branca, ou quase branca, e dezenas de gaivotas mergulhando ávidas naquelas trilhas atrás de peixes que subiam a superfície junto com a corrente. Eu pensei que nós talvez fôssemos como os barcos, cada qual seguindo a sua direção, numa viagem que tinha destino certo e cuja trilha deixada se apagaria em meio às marés, ao vento e às correntes do tempo.

Pensei em Advaita e imaginei que as nossas impressões mentais ou sanskaras deviam ser como as cracas, as algas e a ferrugem aderidas ao casco e que nossas propensões e tendências, os vásanas, deveriam orientar o rumo de nossas vidas e o modo como as conduziríamos o barco até o seu destino.

Pensei no meu ego e no meu carma também. Imaginei que, mesmo restrito a uma Baía, eu poderia aportar em vários locais, tornar a viagem curta ou longa, escolher várias rotas, algumas aprazíveis outras nem tanto, navegar de vários modos. Bem, eu sei que terei que abandonar esse barco algum dia, pois eu não sou o barco. A única coisa de que me dei conta é de que havia muita faxina a fazer no casco, que deveria ser mais reponsável com o modo como me conduzia pela Baía. Mas por que limpar o costado se o barco não sou eu ?

Existe um mapa cartográfico que me ajuda a conduzi-lo mas olhando bem meu casco eu também via um mapa que dizia algo sobre como me conduzi na vida. Cada arranhão no casco teve uma causa, cada craca e ferrugem haviam sido deixadas lá por displicência minha.

Os anos de marinharia me ensinaram aos poucos a navegar com mais cuidado, a cuidar melhor do casco da embarcação, do convés e dos instrumentos de navegação, conhecer melhor a potência do motor e seus limites de manobrabilidade, conhecer melhor as regras de navegação e saber usá-las com sabedoria mas também seguir os instintos e os anos de experiência que nos avisam sutilmente das mudanças súbitas do tempo.

Abri o livro de Mark Neppo "The Book of Awakening", um conjunto de pequenos ensaios escritos para serem lidos aleatoriamente. Transcrevo aqui o que li no meio do mar.

"O que nós trazemos conosco"

Um rio não segura toda a água que por ele passa


Em nossa jornada pelo tempo, todos nós nos esforçamos constantemente com o que nós trazemos conosco e com o que nós devemos deixar para trás. É tão difícil jogar coisas fora mas se você não o fizer. você morre afogado sob o peso que você mesmo criou.

O rio é um bom modelo, Ele não possui a água que corre e ainda assim, mantém uma relação íntima com ela, pois é a força da água que modela o rio. É a mesma coisa com tudo que amamos. De fato, não há razão em se prender às coisas mais profundas que nos importa, pois elas já deram forma a nós.

O propósito do sentimento, então é liberar os sentimentos que dormem em nós. Algumas vezes livros e cartões e conchas ou flores secas fazem isso. Mas frequentemente, carregamos mais do que precisamos, raramente confiando que estes pequenos tesouros que guardamos estão vivos dentro de nós. Muitas vezes, o maior presente que podemos nos dar é pousar as nossas vidas abertas no chão como um rio que passa.

Mark Neppo

Martius de Oliveira

Nenhum comentário:

Postar um comentário