terça-feira, 9 de outubro de 2012

011 - Ainda sobre significado, propósito e alegria

Para quase toda a humanidade a morte é considerada como o marco final de suas vidas, muito naturalmente, já que cessa a vida física. No entanto do ponto-de-vista cultural ela marca também a data-limite na qual nossas ambições devem ter sido alcançadas. Os seres humanos sabem que são mortais e que esta percepção do destino leva muitas pessoas a se refugiarem na crença de sua vida após a existência e outras a um sentimento de desespero angustiante com sua alienação. A maior parte das pessoas oscila entre estes dois pensamentos e geralmente terão medo de tudo que possa parecer levá-las à morte mais rapidamente, como a pobreza, a solidão ou a doença. Muitas outras tentarão forjar um salvo-conduto contra a morte, procurando adiá-la com prosperidade, segurança, manutenção da juventude, segurança física, poder e reconhecimento social. Quanto mais as pessoas têm medo do abismo, do nada existencial tanto mais precisam adquirir tudo à sua volta. O medo, a ganância e o ódio são características de uma humanidade que vive em desespero. É claro que esta atitude na vida não vai preveni-las de morrerem, mas com certeza vai macular cada momento de suas vidas, até mesmo os momentos mais felizes com o desconforto da sombra da morte.

Para quem acredita em Advaita, a morte do corpo físico não apresenta real importância. É somente no nível do mundo fenomenal que ela tem algum significado. Quem nós somos em realidade é ilimitado e sendo assim nós nunca conseguiremos satisfação em um mundo limitado. A obtenção da felicidade na busca de valores mundanos tradicionais, até mesmo sendo afortunados obtendo-os ao final da vida, ainda leva-nos à insatisfação. É somente através da percepção de nossa verdadeira natureza que podemos atingir o contentamento eterno que estamos sempre vaidosamente procurando ignorantes do fato de quem já somos.

De acordo com o Advaita, a causa do mal recai sobre a nossa ignorância. Ninguém perpetra uma maldade à plena luz do conhecimento, ele/ela simplesmente não consegue. O assassino, o perdulário, o corrupto, o ladrão, estão sendo sempre impelidos pelo mesmo motivo – preencher uma necessidade criada devido a uma aparente privação do seu próprio ser. Esta privação deve ser entendida como um perda de completude ou plenitude. O Ser é infinito e preenchido (purna). Nada falta. É a ignorância (avidya) que gera a falsa noção de limitação. A escravidão à essa noção de limitação é que alguém tenta ganhar algo que pensa que lhe falta. Ela perde a beatitude inata e daí surge o desejo por alegria e prazer (kama). A pessoa se acha presa a um corpo e tenta compensar esta limitação através da aquisição de objetos, prosperidade, nome e posição (artha). Assim, kama e artha se tornam os objetivos básicos de um ser corpóreo.

Em Advaita, Bom e Mal são termos que se relacionam aos padrões particulares morais de uma dada sociedade e às idéias que os indivíduos tem a respeito destes conceitos. Tudo está no reino das aparências e não se relacionam a realidade não-dual por trás dos nomes e formas. Uma vez perguntaram: "Por que Deus permite o mal?". Esta pergunta é tão absurda quanto "Por que Deus permite o bem?", assim como é absurdo perguntar "Por que a água permite a enchente?", "Por que o sol permite o incêndio?", "Por que a Terra permite o terremoto?" . "Você pragueja ou abençoa o fogo?", "Você pragueja ou abençoa a água?", "Você pragueja ou abençoa a terra?". Brahman em sânscrito significa o "Absoluto", "Deus", "O Ser Universal". Brahman não é bondoso no sentido em que Cristo foi bondoso. A vida de Jesus Cristo expressou a luz da Realidade refletida em um mundo relativo. A Realidade em si própria está além de todos os fenômenos, até mesmo dos mais nobres. A Realidade está além da pureza, da beleza, da alegria, da glória ou do sucesso. Ela só pode ser descrita como boa se nós quisermos dizer que a consciência absoluta é conhecimento absoluto, e o conhecimento absoluto é alegria absoluta "Ananda".

Roy Whenary diz "que o ego, o "Eu", jamais consegue ser feliz. Os seus apegos emocionais, identificação com objetos de felicidade, resistência e negatividade, tudo isso nos priva da alegria. Na tradição Hindu "nirvikalpa samadhi" pode ser traduzida como "alegria sem objeto", o que descreve bem o que viríamos a sentir através do vazio silencioso de nossa verdadeira natureza. É uma alegria espontânea. É o nosso estado natural de ser, nosso direito de nascença, que não é particularmente dependente de objetos. Buscar o sentimento de cada momento de nossas vidas eventualmente nos leva a transormação no modo como vemos e experienciamos a vida. A mente não pode fazer isso sozinha. Nós temos que mergulhar em nosso corpo, em nosso sentimento e então talvez nós nos esbarremos com essa alegria que é nosso direito de nascença. Quando encontrarmos clareza na nossa verdadeira natureza, todos os obstáculos à alegria tombarão, revelando uma alegria interior que, como uma flor, está pronta a responder à luz".

Martius de Oliveira


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