terça-feira, 2 de outubro de 2012

005 - Ayurveda - Nutrindo o Complexo Corpo-Mente

Nos dois textos anteriores "Nós não somos nossos corpos" e "Nós não somos nossas mentes" eu somente dei uma idéia de que talvez não sejamos a soma do que nós pensamos ser. Há elaboradas discussões filosóficas sobre estas questões e certamente muito mais pode ser explorado neste sentido. No meu caso, anos se passaram até que eu vagarosamente comecei a dissociar-me do conceito de que eu não era o meu corpo e posteriormente entender que também não era a minha mente ou intelecto. Este foi um processo de desidentificação árduo e recorrente pois volta e meia conseguia ter esse nível de lucidez para depois cair na ilusão de que era novamente corpo e mente. Um aspecto que me marcou bastante foi o estudo da Medicina Tradicional Indiana, conhecida como Ayurveda e seu enorme impacto sobre a compreensão de que corpo e mente fazem parte de uma única unidade material. A principal diferença apontada era de que a mente se constitui num órgão mais sutil, cuja saúde depende de nossa habilidade de extrair elementos nutritivos do ambiente de forma semelhante a que fazemos com o corpo, e que também está sujeita à doença e acúmulo de toxinas. O Ayurveda vê a mente como um campo de idéias e o corpo como um campo de partículas interagindo umas com as outras. Nas palavras do Dr. David Frawley em seu maravilhoso livro "Ayurveda e a mente", ele escreve que a mente possui uma estrutura material, um conjunto de energias e condições observáveis. Isso não é dizer que a mente é um objeto grosseiro como uma pedra ou de que ela se trata de um órgão como um cérebro, ou ainda de que se trata meramente de algo com natureza bioquímica. A mente, segundo ele, não é matéria física, mas é matéria ainda que de natureza mais sutil, etérea e luminosa. Como uma entidade orgânica, a mente possui uma estrutura, um ciclo de nutrição, uma origem e um fim. A mente é investida de um certo "quantum" de energia que produz efeitos variáveis tangíveis.


Em nossa sociedade moderna, estamos muito a par da nutrição de nossos corpos, da necessidade de exercícios, e de todos os problemas relacionados à higiene e a uma dieta pobremente diversificada. Mas será que nós temos esta mesma visão em relação à mente?


O Dr. David Frawley destaca que a mente é organicamente relacionada ao corpo físico. Nós podemos observar isto ao notarmos que as funções da mente mudam com as flutuações físicas, como o nosso comportamento muda com a dieta ou com padrões exercícios e impressões sensoriais. A mente é também como o nosso corpo ou organismo. Ela tem metabolismo, seu modo de nutrição adequado e produtos da digestão destas impressões, assim como disfunções que podem decorrer do seu mal-funcionamento.


Para o bem-estar corporal nós devemos ser capazes de nos oferecer uma dieta nutricional balanceada, o que quer dizer comida e líquidos apropriados, ar limpo e métodos de respiração adequados e breves períodos de desintoxicação dos nossos corpos. A desintoxicação ajuda-nos a livrarmo-nos de elementos orgânicos acumulados que permanecem em nosso organismo. Mas para que a desintoxicação ocorrer nós devemos evitar no melhor de nossas capacidade a ingestão de toxinas.


Mas do que a mente exatamente se alimenta então? De acordo com o Ayurveda, a mente está constantemente trazendo impressões sensoriais de todos os tipos que nos afetam de maneiras adversas. Nós gastamos um tempo considerável no trabalho ou em casa, ingerindo impressões sensoriais provenientes das nossas formas de trabalho, recreação e entretenimento.


Como a medicina Ayurvédica vê corpo e mente como uma só unidade, eu apresentarei um elemento na Yoga chamada em sânscrito de "Pratyahara" que talvez nos ajude a observar a nossa ingestão física e mental apropriadamente. "Prati" é uma preposição que denota abstenção ou afastamento. "Ahara" é uma palavra que significa comida. Assim, Pratyahara pode ser traduzida como "Controle da Fome" e que nós podemos interpretar como significando "abstenção da ingestão de impressões sensoriais". No entanto, Pratyahara não está somente limitada ao aspecto sensorial. No pensamento Yóguico, há na verdade três tipos de "ahara" ou comida. O primeiro tipo de ahara é o próprio alimento que comemos e que nutre nosso corpo físico. O segundo tipo de ahara são as impressões sensoriais que nutrem a mente. O terceiro tipo de ahara são as associações – pessoas, animais selvagens, animais de estimação, plantas, locais na natureza – com os quais nos relacionamos de modo afetivo e que nutrem as nossas almas.


Os mestres de Yoga comparam a disciplina do Pratyahara com uma tartaruga que retrai a cabeça e os membros dentro do seu casco. O casco representa a mente ao passo que os membros e a cabeça representam os sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato). O Pratyahara sensorial também chamado de "Indriya Pratiahara", implica em adquirir consciência e desenvolver discernimento e disciplina na absorção correta de impressões sensoriais. A maior parte de nós têm, hoje em dia, uma percepção bem maior do que seja um hábito dietético adequado mas não exercemos esta mesma discriminação quando o assunto se refere a impressões que nós adquirimos com os nossos sentidos. Nós recebemos estas impressões através da mídia de massas de modo passivo e condescendente e às vezes de forma intempestiva e intrusiva. Quando nós voluntariamente permitimos que isso aconteça, nós permitimos que todos os tipos de energias discordantes invadam a intimidade do nosso campo energético, interagindo com cada célula, cada molécula e partícula sutil que compôem o nosso complexo corpo-mente. Assim, nós comprometemos a nossa própria integridade e equilíbrio de modos que sequer suspeitamos.


A maior parte de nós sofre então uma enorme sobrecarga sensorial sem nem se dar conta disso, resultado de um bombardeio maciço de ondas eletromagnéticas e de microondas artificiais, impressões auditivas e visuais de estações de rádio, telefonia e televisão, telefones celulares, ipods, jornais, revistas, propagandas, computadores e até mesmo a observação de eventos cotidianos em nossas jornadas diárias ao trabalho. Nós até mesmo somos capazes de capturar impressões de eventos prévios no espaço-tempo através da psicometria quando tocamos objetos ou quando nos sintonizamos mentalmente com formas-pensamento no ambiente. À medida que a nossa vigilância diminui neste sentido, nós nos tornamos mais e mais susceptíveis a uma recepção não-seletiva de impressões sensoriais. O somatório de todas estas impressões influencia e afeta adversamente o equilíbrio delicado das muitas camadas de energia de que se compôem os nossos corpos.


A maior fonte de impressões positivas provêm da natureza – as impressões que absorvemos do céu, do chão ou da areia sobre os quais pisamos, as impressões das plantas, arbustos, árvores e de todas as formas de vida, assim como das montanhas, rios, cachoeiras, praias, oceanos e desertos, do sol e das estrelas, criam uma enorme quantidade de impressões visuais, auditivas, gustativas, olfativas e táteis com tremendo potencial de cura. Muito das formas de arte que nos agradam aos sentidos de maneira positiva, assim como as práticas religiosas, orações, preces, mantras, meditações, visualizações e exercícios acrescentam impressões positivas adicionais às pessoas.


A nossa sociedade tão consumista, de um lado estimula o interesse através dos sentidos – cores brilhantes, sons altos, expletivos, sentimentos dramatizados – e nós somos ensinados desde pequenos a nos engajarmos nesse tipo de nutrição sensorial pois eles supostamente nos tornam mais "vivos". O entretenimento se tornou sinônimo de condescendência sensorial sem critério ou discernimento. Vivemos literalmente em um "Império dos Sentidos".


O problema com os sentidos é que, como crianças sem preparo e maturidade, agem de acordo com suas próprias "vontades" e se rebelam contra nós mesmos quando não os satisfazemos prontamente. Isso se deve ao fato, segundo entendo, dos órgãos de sentido terem em sua constituição uma natureza instintiva própria. Se não aprendemos a controlá-los e discipliná-los, eles se apossam de nossa vida fazendo dela uma busca infindável por prazeres hedonísticos onde a busca pelo prazer supera a própria volição da consciência.


Quando falo em controle dos instintos, eu não quero dizer com isso que devamos suprimir ou pior, reprimir os nossos sentidos mas desenvolvermos um maior nível de lucidez e compreensão, entendendo que através da disciplina e da educação de nossos sentidos e da vigilância sobre as impressões que ingerimos, teremos mais instrumentos, dentre vários outros que eu nem mesmo imagino como sejam, que nos levarão a uma vida mais harmoniosa e com contentamento.


Pratyahara é um caminho de duas-vias. Ela envolve não somente a abstenção de comida, impressões e associações inadequadas ao mesmo tempo em que reforça a ingestão de comidas, impressões e associações mais saudáveis.


Agora vou deixá-los com uma questão que também é para mim. Se, de acordo com o Ayurveda, as impressões sensoriais são o alimento de nossas mentes então que tipo de nutrição estamos oferecendo ao nosso corpo? Olhe o mundo em torno do qual você vive. Pode ser que você viva no Rio, Grand Rapids, Manchester, Oslo, Bangkok, Perth, Barcelona, Tripoli ou Adis Abeba. É nesse mundo que você quer viver? Quanto mais desagradável a comida tanto mais sal, açúcar e condimentos acrescentamos aos alimentos de baixo valor nutricional para que eles se tornem mais degustáveis. O mesmo ocorre com as impressões. Quanto pior as impressões que nós absorvemos, tanto mais sobrenaturais, violentas ou viciantes elas têm que ser. Da mesma maneira que o paladar e olfato perdem a sensibilidade assim ocorre com a mente. Nós estamos nos tornando insensíveis à violência, ao sofrimento e à dor alheia e resistentes às mudanças. Nossas mentes estão ficando entorpecidas e os nossos pensamentos cada vez mais perdem clareza e coesão. O resultado são comportamentos brutalizados, atos de frivolidade e insanidade e palavras de raiva, discriminação e intimidação. O controle sensorial está em nossas mãos. É uma responsabilidade pessoal, inadiável e intransferível. A cada momento estamos fazendo escolhas. Já passa da hora de começarmos a pensar e discutir o assunto – Nossas Vidas.


Martius de Oliveira

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