Lembro-me de uma vez, em uma aula de medicina, anos atrás, onde um especialista em ortopedia pediátrica nos explicava sobre o uso da toxina botulínica para o tratamento de paralisia cerebral, uma condição no qual durante o parto, o neonato poderia sofrer hipóxia cerebral de leve à severa (desoxigenação do cérebro) com uma série de sequelas que iam de membros paralisados até profundo comprometimento cognitivo. Através de injeções regulares de toxina botulínica em certos grupos musculares, as articulações se soltava permitindo que os músculos relaxassem e que os procedimentos tanto de higiene pessoal quanto fisioterápicos pudessem ser realizados. O menino, que deveria ter uns cinco anos, entrou na sala sobre uma maca com suas mãos sendo seguras pelas de sua mãe de um modo tão gentil e carinhoso que nos comoveu. De fato, não só as mãos mas todos os quatro membros de seu corpo estavam contraídos. Soubemos também que ele era bilateralmente cego e surdo. Ele não falava e quando vocalizava sua voz lembrava a de um filhotinho de gato chorando, o que os professores nos disseram chamar-se "cri-du-chat". Sua mãe acariava suas mãos e fronte o tempo todo, o que o mantinha calmo mesmo ele tendo a percepção de que estava em um local diferente do que conhecia. Talvez o cheiro de hospital ou o ar-condicionado o fizesse perceber a mudança de ambiente. Como sua mãe havia sido chamada para preencher alguns formulários, ela teve que deixá-lo só por alguns momentos. Ele começou a chorar como um filhote de gatinho. Eu me esgueirei pela cortina e instintivamente segurei suas mãos pálidas nas minhas e delicadamente acariciei seus cabelos. Ele de alguma forma se sentiu protegido e guardado novamente e parou de chorar mas agora eram os meus olhos que estavam com lágrimas. Imaginei o quão frágil ele estava no mundo. Eu pensei que se ele tivesse nascido sem esse problema, ele poderia estar aqui sorrindo e falando com todos. À medida que acariciava as suas mãos ele deixou sair um sorriso espontâneo, com os olhos ainda fechados.
Eu não sabia coisa alguma de Advaita mas eu me lembrei deste instante especial ao ler as linhas do livro que dizia "Seres humanos não são corpos, seres humanos não são mentes, seres humanos não têm definição"...
Martius de Oliveira
Eu não sabia coisa alguma de Advaita mas eu me lembrei deste instante especial ao ler as linhas do livro que dizia "Seres humanos não são corpos, seres humanos não são mentes, seres humanos não têm definição"...
Martius de Oliveira